Se vem falando muito sobre autocuidado ultimamente, já percebeu? E ainda bem. Principalmente no universo feminino, o ‘selfcare’ já faz parte do item número 1 do manual de sobrevivência do mundo moderno.
Não é para menos. Sustentamos um ritmo de vida insalubre e estamos vivendo uma crise de saúde mental. Essa ascensão é acompanhada pela impotência de mudar cenários políticos, de saúde, econômicos, profissionais e, consequentemente, pessoais. Por isso, não é à toa que esse feitiço mágico tenha induzido a todos nós, a reduzir o autocuidado a uma hashtag que promete uma ilusão de saúde mental.
O autocuidado se apresentou como uma ferramenta de aliviar stress, ser mais saudável, estimular a auto estima, contribuir para a saúde mental e priorizar a si mesma. E é por isso que o autocuidado é um ato revolucionário. Por isso te faço uma provocação: O que é autocuidado, pra você?
Trago uma reflexão: quantas vezes por dia você vê marcas de cosméticos e pessoas que você segue no Instagram associando a palavra autocuidado com produtos cosméticos?
Não é só na sua timeline. É um movimento. E esse movimento cultural que visa buscar bem-estar pode estar sendo deturpado pelo Instagram.
É sério. Existem mais de 20.1 milhões de fotos com a hashtag selfcare. Dentre elas, muitas poses de yoga, sucos detox, comidas glúten-free, e cosméticos faciais. Foi assim que a indústria da beleza e saúde — que na maioria dos casos compra sua atenção através dos influenciadores que você segue — começaram a vender uma promessa de saúde mental muito convincente, com imagens de vidas ideais e mensagens aspiracionais.
O que se percebe é que é muito comum aderir ao movimento com uma intenção performática, como o novo estilo de vida da vez, ao invés de entender de fato como aquilo pode contribuir positivamente para sua saúde mental. Infelizmente, o autocuidado está correndo o risco de se tornar mais insignificante do que nunca, e com as forças do mercado de consumo, pode perder o seu real valor.
“Uma consequência do amor próprio feminino é que as mulheres crescem convencidas de seu valor social.” — Naomi Wolf
Comprar as máscaras do momento, evitar responder um e-mail ou mensagem difícil, deixar uma entrega para a última hora, ou tirar um cochilo e perder a hora — todos, de alguma forma, contribuem para um relaxamento momentâneo. Mas todas essas são soluções simples para problemas complexos, o que tornará as coisas mais difíceis a longo prazo. Pergunte-se: Isso aumentará meu bem-estar a longo prazo?
Autocuidado é muito mais do que um escapismo. Se você está fazendo algo agora que te traz satisfação momentaneamente, mas isso te faz sentir pior a longo prazo, não é autocuidado.
Quando falamos de saúde mental, as instruções para uma melhora ou cura para transtornos como ansiedade e depressão, são muito óbvias e se resumem a uma fórmula simples:
Faça exercícios + se alimente bem + medite + pense positivo.
Mas, na prática, não é simples assim. Para pessoas que de fato são diagnosticadas com um transtorno mental, sugerir obviedades e esperar que elas cuidem de si mesmas é transferir uma carga de responsabilidade que deveria ser pública, para o próprio indivíduo. A romantização de mantras sobre felicidade e a falta de energia para se exercitar tem um peso enorme de “autoculpa” dentro desses quadros diagnósticos. O que atrapalha muito o processo de autoconhecimento e busca pela cura.
Na verdade, se elas pudessem fazer todas essas coisas (e todas outras que envolvem o processo de melhora), há chances de que não teriam os problemas que enfrentam. Por isso, essa fórmula não é eficaz. É necessário obter ajuda profissional e de redes de apoio.
Autocuidado não significa necessariamente estar sozinho; às vezes exige que você não esteja. Não se esqueça do poder da conexão. Somos seres sociais e necessitamos interagir com outras pessoas para um melhor desenvolvimento neurológico.
Estamos no auge de uma epidemia de solidão, ansiedade e depressão, vivendo uma verdadeira crise de saúde mental brasileira. Pesquisas mostram que se sentir desconectado pode aumentar o risco de demência e outras doenças com declínio cognitivo.
Por isso, não desvalorize o poder das relações e empenhe-se na manutenção dos relacionamentos.
Lembre-se: Tudo que você deixa sem atenção vai aos poucos se desfazendo. Valorize essa manutenção habitual em si mesmo e no outro. Para ter um relacionamento saudável com os outros, é necessário ter um com si mesmo.
O “autocuidado” é comercializado como uma atividade individual isolada, mas a melhor maneira de cuidar de nós mesmos é cuidar um do outro. Saia do automático e aposte numa comunicação para melhorar sua relação com os outros também. E o melhor: é de graça fazer bem pra você mesmo e pra alguém que te valoriza — e pode estar sentindo falta da sua manutenção, precisando disso tanto quanto você. 😉
Não deixe as pessoas quebrarem seus limites. Assim você delimita seu espaço e se preserva, evitando ressentimentos. Não absorva os sentimentos dos outros para você nem assuma responsabilidades alheias pra si.
Tá tudo bem quando você precisa se dar um abraço, ficar no conforto da sua cama e se fazer bem ao invés de ir naquele compromisso que você não está no mood. Assim você reconhece o que sente, compreende sua necessidade e aprende a ler a si mesmo. Pois é, tudo isso!
Além disso, se dê pausas. No modo automático da vida cotidiana costumamos respirar de modo superficial e curto, como se fosse uma preparação do organismo para uma situação que exige reflexo imediato, uma situação de risco ou perigo iminente (normalmente dentro de momentos estressantes e ansiosos). Reaprender a ter uma respiração mais profunda e consciente pode reverter quadros de estresse.
Respire fundo (utilizando pulmões, diafragma, abdômen e costas), caminhe alguns metros, tire os olhos da tela do celular ou computador, beba água, organize sua mesa ou se alongue como puder. Essa mini pausa diária proporciona uma oportunidade de autoconhecimento e consciência corporal.
É muito fácil não perceber o poder “psicologicamente nutritivo” das pequenas coisas. Para criar uma rotina de autocuidado, leve em consideração alguns critérios:
1) Faça coisas que sejam simples. Como uma pausa para respirar fundo ou fazer uma meditação guiada de 5 minutos que você pode encontrar no Spotify, YouTube ou no nosso instagram @corporesanotheta.
2) Tem que ser sustentável. Ter feito aquela tatuagem significativa pode ter sim ajudado num processo de cura ou esquecimento. Mas você provavelmente não vai poder fazer isso sempre. Um caderno de anotações de auto expressão aleatória é uma ferramenta com grande poder criativo e muito mais sustentável.
3) Deve ser barato. Você não precisa pagar por uma academia, aulas de yoga ou spa para se desconectar da rotina. Caminhar, papear com alguém, se alongar e seguir tutoriais de alongamento saem de graça.
4) Deve ser replicável. Shows, festas, viagens e restaurantes podem nos fazer muito bem, mas você não pode recorrer à isso sempre que tem um dia ruim. Busque por algo que pode ser feito no seu cotidiano, como todas as coisas já mencionadas acima.
Todas as verdadeiras epifanias de transformação de vida acontecem quando a pessoa finalmente descobre a importância do amor próprio. – Paola Altheia