Em nosso mundo hiperconectado, tecnológico e acelerado, aprendemos que a multitarefa e a multifuncionalidade é produtiva e até eficiente. E essa realidade exige de nós coisas que talvez nem saibamos como administrar. Pressão, cobranças, uma enxurrada de informações, notícias e responsabilidades são fatores externos que nos levam a desenvolver algumas desordens mentais. (E não, você não é uma exceção a elas.)
Por que fazer uma coisa só por vez, se podemos fazer duas ou mais ao mesmo tempo? Conversar no Whatsapp com 3 pessoas sobre assuntos diferentes, usar o celular enquanto dirige, ler uma notificação no celular enquanto está em reunião, escutar música enquanto lê, comer enquanto assiste Netflix — esse hábito pode até engordar, fazer nosso paladar sentir menos o sabor do alimento, acredita? É tão intrínseco ao nosso estilo de vida, que nem nos damos conta que queremos aproveitar qualquer mínima brecha de tempo que aparecer pra fazer outra coisa além do que já estamos.
Nosso cérebro consegue administrar duas tarefas ao mesmo tempo porque ele é “equipado” para isso. Uma parte dele, o córtex pré-frontal (abaixo), raciocina e dá atenção. Outras partes memorizam e executam atividades mais operacionais que podem ser feitas no piloto automático, mecanicamente, sem que precisemos de fato prestar atenção. Conseguimos memorizar a posição das letras em um teclado e redigir automaticamente aquilo que queremos escrever, sem sequer olhar. Somos capazes até de falar sem pensar, respondendo involuntariamente coisas que às vezes nem queríamos dizer. Interações que realmente acontecem, mas sem qualquer engajamento real.
Especialistas sabem há muito tempo que temos uma capacidade praticamente ilimitada de armazenar novas memórias de longo prazo. No entanto, há um limite na quantidade de informação que podemos incluir na nossa memória operacional. E isso é preocupante dado ao mundo líquido e imediatista que vivemos.
A praticidade nos fez ceder ao piloto automático para podermos pensar em qualquer outra coisa enquanto fazemos uma atividade. E é justamente assim que ele erra. Errando caminhos conhecidos, esquecendo panelas no fogo, não percebendo onde deixamos as chaves ou o celular. Sem atenção e raciocínio, nos sujeitamos a cometer muito mais erros e esquecimentos.
Nosso
cérebro, biologicamente, foi feito para pensar uma coisa a cada
instante. Quando tentamos fazer duas tarefas complexas simultaneamente,
na verdade estamos apenas mudando o foco de uma tarefa para outra; E
sempre que você muda de um pensamento para outro, você ‘cognitivamente’
tropeça um pouco.
Com essas idas e vindas da atenção, seu aparato
cognitivo reconfigura de um modo de pensar para outro, demorando muito
mais tempo para concluir duas atividades simultaneamente do que se
fizéssemos uma por vez.
Pense nisso enquanto você passa minutos e até horas dando ‘scroll’ na tela do seu celular, analisando a timeline do seu Instagram ou Facebook sem realmente absorver algo significativo, apenas olhando algo distrativo e pensando em uma coisa completamente diferente.
E a perda de produtividade chega até 40%, segundo o neurocientista Earl Miller. Ou seja, consome mais tempo para finalizar as tarefas e induz ao erro. Ela causa um efeito chamado de “Cegueira Tensional”, nos fazendo ter uma cegueira temporária em coisas ao nosso redor. Experimente falar ao telefone andando na rua. Você pode estar olhando e enxergando algo chamativo, mas não está percebendo aquilo de fato. E é assim que este hábito reforça o alienamento de nós mesmos.
O pensamento inovador vem da concentração prolongada, ou seja, a capacidade de costurar links entre pensamentos. A memória é uma grande rede de associações. Pensamentos profundos e criativos vêm seguindo o caminho dessa rede para lugares novos e diferentes. Quando você tenta ser multitarefa, normalmente não se encontra suficientemente longe para encontrar algo original, porque está constantemente desconectando e retrocedendo. A multitarefa reduz a qualidade de seus pensamentos, tornando-os mais superficiais, menos criativos e bem menos inovadores.
Se
a multitarefa prejudica a atenção ao que acontece à nossa volta, será
que ela não prejudica a atenção em nós mesmos? A resposta é sim. E a
fórmula é simples: agitação mental provoca ansiedade.
A
multifuncionalidade provoca uma atividade desordenada da mente, e essa
quantidade de pensamentos desproporcionais nos levam a desconectar do
presente. E essas alterações de comportamento nos levam a criar uma
preocupação excessiva com o futuro. Resultado: você ganha, de bandeja,
complicações no seu bem estar físico e psíquico.
É um trabalho árduo, pois trata-se de um exercício diário para desapegar da multitarefa. Mas ao perder esse desvio de atenção, ganha-se tudo que está a sua volta. A obrigação de focar nos faz perceber pessoas, cheiros, sabores, momentos e prazeres, e fixamos isso de uma forma muito mais valiosa em nossas memórias. Assim, vivenciamos e experimentamos nossa própria história com muito mais intensidade e significado. A partir de agora, repense se precisa mesmo fazer aquela segunda coisa enquanto faz a primeira: as consequências disso podem ser bastante negativas para sua saúde mental.